Rogar pragas
Não faz muito tempo que me deixava encantar com a grupeta de formigas que de vez em quando apreciava treparem o canto da divisão. Até me deixei afeiçoar. Comunicávamo-nos numa empatia sem abecedário e fiz questão de tomá-las como parte da mobília; acreditei, piamente, que tinham tanto direito quanto eu. São seres sobreviventes, entreajudam-se, fazem por si. E não são grandes o suficiente para me causar aflição, nem pequenas o suficiente para que me cause paranoia não as ver. Mas se ainda no outro dia dialogava com quatro formiguitas que transportavam uma migalhona e uma outra que apareceu de surpresa no teclado, hoje repudio tudo o que, aqui em casa, tenha mais que duas pernas. Isto por culpa das baratas que, por serem tão horrendas, me fizeram esquecer o panteísmo e me incitam a esmagar tudo que seja pequeno e se mova. É que Lisboa tem disto; por muito bonita que seja, três coisas são garantidas: as subidas íngremes, os passadiços escorregadios e as pragas de baratas.