Telemóveis com tendências suicidas

Acordo para um sol sebastianista que repeliu o frio dos últimos dias. Hoje tolera-se sair da cama e já não sinto os lábios tão imobilizados pelo gelo. Percorro a correr o meu percurso pela Almirante Reis e, chegado a casa, ataco no computador as tarefas laborais.
    Há uns tempos comecei a fazer journaling e exercícios de escrita introspetiva e com essas sessões percebi que suplicava por estabilidade. Descobri em mim a vontade de trabalhar num escritório e de estar com o mesmo grupo de pessoas diariamente.
    Estou agora a entrar na 12ª segunda semana de diário e a verdade é que grande parte dos meus desejos se concretizaram. E, coincidência ou não, comecei agora a trabalhar numa empresa no Seixal. É um trabalho criativo, que me deixa entusiasmado e com uma equipa companheira e gerentes que respeitam o meu artista.
    Além disso, uma das garantias é um telemóvel da empresa e um portátil para me organizar. E como o telemóvel chega amanhã, ontem liguei ao meu Diamantino a dizer que já não ia usar mais o que a filha me emprestara.  É um telemóvel antigo, mas bom, e perguntei-lhe quando o quereria de volta. Ele fez-me saber que mo tinha oferecido e eu, todo contente, planeei guardá-lo como suplente ou até vender em terceira mão.
    Na pausa do home-office fui estender a roupa. Coloquei um podcast e estiquei-me para o estendal aparafusado do lado de fora da janela. 
    E de repente sinto algo escorrer-me do bolso do hoodie.
    É o telemóvel.
    O telemóvel acabou de cair do quarto piso.
    Espreito lá para baixo e vejo-o ao fundo, branquinho, de vidro, ainda a tocar.
    Saio disparado e lanço-me pelas escadas. Bato na porta do vizinho do rés-do-chão, conhecido de todos pela quantidade de meias voadoras que lá vão parar, e ele deixa-me entrar.
    Subo ao cemitério de roupa desemparelhada e encontro o meu querido telemóvel completamente estilhaçado, até inchado. Está absolutamente destruído, arruinado. O ecrã verde e a parte de trás em pedaços.  
    Começo a bater nas portas dos vizinhos a ver se terão algum telemóvel que me possam emprestar nas próximas 24h e lembro-me – porque por vezes me esqueço – da Natacha.
    A Natacha é uma miúda de Braga que vive com o namorado em cima de mim e é prima de uma amiga minha do segundo ciclo. Conheço-a há mais de 10 anos e bato à porta. Ela sai para um passeio com o Milu e, na falta de um segundo telemóvel, empresta-me o dela para ligar para algumas pessoas. 
    Como o meu cérebro nabo só se dedicou a decorar o número na minha mãe quando era criança, ligo-lhe e trato de dizer que vou estar incontactável.
    Depois, percebendo que ninguém me ia conseguir ajudar, cai em mim um estoico. Fui acabar de estender a roupa, cozinhei o almoço e voltei a sentar-me ao computador para trabalhar.
    Há coisas que, passada certa etapa, não podemos controlar. Não adianta insistir com o Sebastiãozinho que não quer chegar.

Comentários

  1. É muito feio rir das desgraças alheias, mas... foi inevitável. Talvez te envie algumas das minhas desgraças para que me consigas fazer rir delas!!! Ass. Ilda
    Ass.

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