Sol no vidro

Recordo com felicidade uma fase efémera – não mais de três meses da minha vida – em que me regia o “deitar cedo e cedo erguer” e dava por mim acordar para um café e um livro. Depois vinha um treino matinal e finalmente a escrita. Quando o sol de inverno decidia aparecer, arrastava a mesa das refeições para a janela da cozinha e ia ao escritório buscar uma cadeira almofadada. Concretizei muitos guiões assim, aquecido pelo sol filtrado no vidro. A minha mãe estava em teletrabalho na sala ao lado e passávamos os dias a encontrar-nos noutras divisões, quando decidíamos interromper o trabalho para esticar as pernas. Na hora da pausa, eu levava-lhe o almoço à secretária e ela comia à frente do computador. No final fazia um batido de melancia, gengibre e espinafres e oferecia-lho num copo decorado com canela e sementes de girassol. Sentia-me bem. Os gatos roçavam-se às minhas pernas e os pássaros iam regressando aos poucos. Os dias estavam cada vez mais longos e o mundo deixava-nos existir assim resguardados. 

Comentários

  1. Sol no vidro vs Chuva nas vidraças...
    É facil sentir as emoções e estar lá sem nunca lá ter estado. Parabéns. 👌

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