Garoto com medo e sem café
Não é que tenha verdadeiramente rompido o companheirismo com o café, mas já não lhe conheço a velha proximidade matinal. A culpa não é dele, mas do aperitivo com que o acompanhava, que deixou de ser produzido e me desprendeu da necessidade de um encontro.
Pelo que já há uns bons meses acordo sem lhe dedicar tempo. Levanto-me da cama, deixo derreter um multivitamínico na boca e depois engulo-o num copo de água. Lavo a cara, escovo os dentes e vou correr. Por vezes faço um chá; outras vezes um descafeinado solúvel, mas é apressado e sem cuidado. Em casa, aprendi com o tempo, a situação é diferente. Lá faz-me gosto o serão logo pelo nascer do dia, mas é mais pela companhia do que pelo líquido gostoso.
E não sei se terá correlação, mas estou com um ótimo ritmo de sono. Os últimos dias, contudo, têm sido complicados. Hoje são quatro e pouco e já estou a pé, em batalha com o calor que trouxe a tempestade lá fora. Chamam-lhe Irene, e a Irene tem-me calientado as noites.
Para que os minutos passem e o sono volte, passo os olhos por apontamentos antigos e descubro que em novembro me desconcertavam os sábados à noite, em que jantava sozinho na minha própria cama. Era a primeira vez há meses que tinha a casa só para mim, mas sentia-me isolado de companhia há muitas semanas. A própria escrita tinha-me fugido e preocupava-me que não andasse a ver muitas pessoas.
Numa dessas noites escrevi, na sensibilidade de um garoto que tem medo da morte, que é estranho pensar que aos 80 vou amar pessoas que ainda não existem, e que as pessoas que agora amo já não vão existir.
Muito intimista como.sempre. Gosto.
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