Slow morning

A manhã distópica não é a tardia nem madrugada, mas sim a apressada; aquela em que o corpo é empurrado a acordar antes da lucidez e o coração aperta com o peso das olheiras.
Gosto de me levantar taciturno e sem urgência. Abrir a persiana por intervalos e ser meticuloso ao ponto de averiguar se coloquei a meia no pé certo. E se depois ainda me restar tempo para respirar e descobrir formas nas nuvens, sairei recheado.
Mas a noite anterior passei-a a despertar com a ansiedade de quem se quer antecipar ao relógio para não distribuir um ódio patológico ao alarme barulhento. O cabo da persiana ia-se-me rompendo das mãos e as meias foram trocadas e do avesso. Engoli o café como um elixir oral, coloquei o gorro frio debaixo da gadelha bagunçada e saí para o dia escuro com a cara feita em balão. 
Caminhei meia hora, saltei a cancela do metro aos tropeções e passei de fininho nas portas. Jejuei por 8 horas debaixo de um sol que começou Olímpico mas que terminou comigo a espremer a roupa encharcada para o bidé. 
À noite deitei-me numa cama desleixada e de almofadas negligenciadas. Ficou por cumprir, à troca de uma conversa que se dispersou entre bandas desenhadas e botas de banha cobra, a promessa de que, pelo menos hoje, me ia deitar cedo.
Depois, claro, acordei doente, entupido e rouco. Foi o protesto por um despertar cardíaco, que mata mais depressa que as cigarrilhas de mentol que comprei há meses na tabacaria da rua.

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