Morro sem deslumbramento

As últimas noites passei-as no chão da sala. Arrendei o meu quarto até meio do mês a achar que não ia precisar dele, mas obrigações trouxeram-me à cidade grande e não tinha onde ficar. Os inquilinos não se opuseram a que ocupasse o espaço, por isso tenho poisado no tapete da sala, em cima do edredon. 
    Mas confesso que me sinto um pouco parasita. Quero fazer da sala um ninho privado, mas não posso, embora a isso se vá assimilando. E depois tenho esta tendência para despertar várias vezes durante a noite. E quando, de manhã, me levanto de vez, estou todo desendireitado. Ou endireitado, dependendo da perspetiva.
    Mas já só faltam 3 noites.
    Apesar de tudo, a verdade é que tenho dormido muito. E com muito, quero dizer mesmo muito. Entre nove a onze horas por noite. Quando acordo, ergo-me de rabo ao céu e percorro o longo corredor até à casa de banho. Escovo os dentes, bebo água e saio logo para apanhar sol. Levo um livro na algibeira e algum material de desporto e passa-se a manhã em ócio assistido.
    Têm sido dias bons. Pachorrentos e produtivos e bons. Mas esquisitos. O ambiente doméstico é de uma aura invisivelmente agreste e tenho ainda muito cansaço acumulado. Este mês não comprei o passe para compensar uma burla de que fui vitima, pelo que a cidade tem kilómetros extras. Percorro-a a pé - à la pata e à la pala, mas bebo bem este calor.
    Profissionalmente há coisas a melhorar, mas não dependem de mim. Estou feliz, muito feliz, acho. Em ativo. Circular é viver e circula-se em mim uma audição de texto helénico, um workshop e uma curta mais para o sul. Pelo meio vem o meu aniversário, e será o primeiro que passo longe de casa. Confesso que não sei muito bem o que fazer, porque não faço questão de fazer nada. Mas desta vez sinto a necessidade de mostrar que fiz algo.
    Quando, sinceramente, gosto dos meus aniversários pausados e de agradecimento. O último que tive fui almoçar fora sozinho, passei a tarde numa praia fluvial e fizémos uma jantarada de sapateira recheada com a minha avó. Este ano estou a contar chamar alguns amigos para irmos à praia, ou ao cinema, ou fazer uma partida de basketball. Mas cheira-me mais a cinema. No dia a seguir tenho que me por a pé cedo, por isso não há grande coisa a inventar
    Descobri algumas frases soltas que tenho vindo a escrever, mas não sei muito bem o que fazer com elas. Ponderei juntá-las num poema e talvez o arrisque aqui:

O labor mata o corpo, mas enche a alma. 
A nostalgia suga o ser, mas alimenta a vida.
Vivo na pele do outro a empatia; Vivo na pele do outro em empatia;
E vivo da pele do outro a empatia; E vivo da pele do outro em empatia;
Diz-se que, para criar, quer-se sofrer. 
Mas importante não é sofrer, é sentir.

Morro sem deslumbramento. E com esta mato aqui o texto.

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