Regressei hoje a Lisboa e dou por oficializado, assim, o fim do Natal. Na verdade janeiro já começou há uns dias mas enquanto estive no conforto em casa, era natal. No dia 7 já faz um ano que me mudei para aqui e comecei a viver sozinho, mas hoje custou-me tudo como se fosse a primeira vez. Desci o passeio da rua barulhenta e tive que reaprender o jeito de colocar a chave na portada da rua. A mala, mais uns segundos e rebentava; trouxe-a empanturrada com mimos da mãe e depois deixei tudo a fazer stock no armário da cozinha. Até incensos e detergente da roupa trouxe. O almoço foi tardio, já perto das 17h. Se a minha avó soubesse repreendia-me logo: “tem algum jeito estares tanto tempo sem comer, isso faz-te mal ao estômago”. Mas hoje não há ninguém aqui que me fale; e o silêncio das paredes vazias é a única coisa a impedir-me que me desmanche. Se falasse, neste momento, fraquejava-me a voz e chorava. Não sei, estou sensibilizado. Foi-se mais um ano e a vida não será mais como
O domingo termina a olhar para o teto do hospital. À minha volta tenho vozes que não reconheço e caras que não me consigo virar para ver. Os enfermeiros colocaram-me um colar cervical e pedem para não me mexer. Depois discutem entre si fofocas e não parecem importados se as ouvimos – eu cá acho que isso lhes dá um toque mais humano e pergunto-me se o fazem de propósito. O meu único receio é que se distraiam e me espetem contra uma porta ou uma parede. Sinto-me super desconfortável e dispenso outra colisão. Estou de tronco nu e envolvo num colchão insuflável quentíssimo que me impede de mexer As minhas sapatilhas rotas e ensanguentadas transpiram-me os pés sem meias e está um calor absurdo. E enquanto convoco pensamentos positivos para afastar esta pseudo-claustrofobia, descubro uma gota de sangue no teto. Não minha mas, ainda assim, é uma gota de sangue esguichada no teto. Encostam-me no canto de uma sala e um médico injeta-me uma medicação para as dores na coxa esquerda. Dizem
Na mão direita levo as alças dos tacões penduradas nas pontas dos dedos e, na esquerda, a bolsa preta de pele brilhante. Deixei as meias esburacadas algures pelo caminho e os meus pés descalços percorrem, em ferida, o alcatrão quente. Quando o chão escuro se torna agreste por demasiado tempo equilibro-me, em linha, na faixa branca que delimita a estrada. Os faróis dos carros rasgam-me a córnea sempre que passam e eu escondo a cara em direção às unhas dos pés pintadas. Tenho receio que me reconheçam, mas, mais que tudo, tenho vergonha. Passados alguns quilómetros percebo que este estado de alerta me faz mais mal que bem. Reduzo o compasso e respiro fundo para me acalmar. Calma, já passaste por isto, tu sabes lidar contigo mesma . Reparo que me doem os músculos das coxas e endireito as costas, até aqui curvadas em posição de defesa. Ou de ataque. Estou a andar para onde? Com que propósito? A casa também é minha. E foi aí que as dores começaram. Que tudo que se acumulara
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