Frutos

Desiquilibro-me no chão inclinado e guio-me, pelo escuro, até ao interruptor da casa de banho. Levanto uma das tampas da sanita e depois não me dou ao trabalho de a voltar a fechar. Olho-me, despenteado, ao espelho. A postura concava e a cara despragmática de quem foi obrigado a interromper um sono profundo por ter bebido chá antes de deitar.
    São cinco da manhã e já dormi seis horas. Ontem pesou-me todo o cansaço e rendi-me bem cedo. A verdade é que as últimas horas do dia têm tendência para serem as menos produtivas. Uso-as para uma espécie de Me Time, mas ultimamente tenho tido bastante cuidado com o meu sono. 
    E sinto-me bem. Li que devemos tratar o nosso sono como fitness. E noto o resultado desta prioridade. Quando tenho textos para decorar e o esforço não mais desempenha, sei que acordarei com ele sabido só pelo facto de bem dormir. 
    Agora deito-me cedo e, mais importante ainda, cedo me ergo. Há tanta sabedoria popular que decidimos ignorar. Nascemos com ela sabida e com o tempo a esquecemos. O conhecimento é gratuito e está nas ruas e nas pessoas e passa-nos completamente ao lado.
    As meias quentes e altas apertam-me os pés e planeio tirá-las assim que chegar à cama. O meu dedo mindinho da mão está em sangue e descobri que a melhor maneira de o coçar é com os dentes ou a barba do queixo.
    Desligo a luz e faço o caminho de cor até à cama. Sacudo algumas migalhas dos lençóis e deito-me. Hoje está mais está calor. Deslizo as meias até meio dos pés e as calças até aos calcanhares. Não vá depois ter frio e ter que andar à procura da roupa perdida no fundo do colchão.
    Por esta altura, na minha terra, já se ouviriam os galos ao longe. Aqui ouço portas bater e o acordar dos camiões do lixo. Adormeci com os aviões ao longe e os galos que agora palram soam enjaulados, tímidos e oprimidos.
    Mais tarde acordo com a luz matinal que se atravessa pela porta aberta. Confiro as horas e levanto-me de rompante para obrigar o corpo a despertar sem moleza. Abro as duas persianas e deixo que o sol me penetre os olhos. Abro as janelas e deixo que o vento frio me desadormeça a cara.
    Tem sido rotina fazer logo a cama. Abro-a totalmente e deixo cair os cobertores no chão. Estico o lençol onde me deito e faço-a toda de novo. Depois lavo a cara com água fria e escovo os dentes. Varro sempre o chão, de manhã. O do meu quarto e o da cozinha. 
    Seco a loiça do dia anterior e guardo-a no armário acima da pia. E beberico um chá durante todo o processo. Hoje foi de maçã e canela. Umas amostras que trouxe de um pequeno almoço de há uns dias.
    Depois de vestido, sento-me na pequena mesa para um café solúvel. Deito leite de amêndoa, uma bebida de chocolate e entorno os grãos moídos numa pequena chávena que trouxe dos meus pais. Depois coloco água e levo a chávena ao microondas. 
    É nesta pequena mesa branca, agora com uma toalha em xadrez alaranjado, que dedico o meu único tempo diário ao telemóvel. E, quando termino, saio para mover o corpo. 
    Percorro as ruas e vou saltando entre passeios em busca do sol . Os quarenta minutos de treino terminam num duche de água a ferver, que vou alternando com a fria. 
    Normalmente volto a caminhar até casa para um almoço tardio e depois tenho que sair à tarde ou à noite por um qualquer motivo. Mas hoje nem tive tempo para o banho e enfiei-me logo no cheiro do metro. O almoço será mais tarde ainda mas, chegando, não volto a sair.
    Irei ler na única janela virada para o sol e depois tratarei de qualquer trabalho de casa. Amanhã faço o mesmo, mas o trabalho de casa será na rua.
    Têm sido dias diferentes. Interessantes, preenchidos. Bons. Atrevo-me a dizer que, sem nenhum motivo em especial, estou feliz. Vou-me mantendo ocupado e criativo e corro atrás. Vou-me curvando para plantar as sementes que me farão erguer para ver crescer.

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