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Hoje estou mais fraco. Tenho as defesas em baixo e o corpo mole. Sinto golpes que se vão espalhando, de vez em quando, pelo corpo. São pequenas picadas insensíveis que se manifestam de forma gelada e intermitente. Fisgadas que, de tempos a tempos, me resfriam e espirro. Fungo e coço os olhos e nariz. Emito um som de esforço descontrolado e inspiro profundamente para compensar as narinas entupidas.
As últimas horas passei-as enterrado numa gola ao pescoço. Uso umas orelheiras de material fino que me protegem de qualquer hipótese de corrente de ar. Se pudesse hibernava assim, em conchinha, com três pares de meias, carapuço, e manta embrulhada nos pés.
Acho que vou mesmo fechar os olhos. Só por um bocadinho.
Abro-os cinco horas mais tarde, já a meio da manhã. As minhas roupas estão perdidas, amarrotadas entre os lençóis, e estou ligeiramente suado pelo excesso de cobertores. Quero-me levantar para ir à casa de banho, mas demoro-me a dar viço aos meus impulsos.
Há uns dias mudei a disposição do quarto e tenho que dar sentido à minha localização. A janela, que estava à esquerda, está agora aos pés. A porta, que estava à direita, está agora à cabeça. O armário, que estava à direita, continua à direita, mas noutra parede.
Levanto-me quando creio ter definido corretamente todas as posições. Aproximo-me da parede e tateio até alcançar a porta, mas não a encontro. Apalpo o cimento liso e quase lhe vejo a cor com o toque. Mas não há armários, ou quadros, ou espelhos, ou cómodas, mesas de cabeceira ou móvel. Não defino a tábua de passar a ferro, o bastão que uso para pousar chapéus ou a cadeira de plástico onde pouso a roupa do dia. Na verdade foi-se a janela e, pior que tudo, foi-se porta. O quarto sou só eu e já não há cama. Quatro paredes e roupa amarrotada.
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