O som que chegou lá de fora indicou-me que começara a chover. Apesar dos 31 graus abafados que o dia de hoje trouxera, o tempo nublado prometia chuva ao final do dia, mas que chegou apenas de madrugada. O horário de julho cria umas noites de calor que me impossibilitam de dormir e aprendi a desistir de forçar o sono, acabando por me deitar sempre a altas horas da noite, ou a baixas da manhã. O verão desregula-me o horário mas nunca em outra altura do ano ele me parece tão regulado como agora.
    Levantei-me ao som das pingas e deixei a pouca roupa que me cobria tombar ali mesmo, no chão da sala. Abri, parcialmente, a persiana e esgueirei-me, rente ao chão. Deixei-me ficar de pé, descalço no varandim, a inspirar o odor forte dos materiais em contacto com a água que caía.
    As duas primeiras escadas, protegidas pela varanda do piso de cima, estavam secas; mas à medida que fui descendo em direção às escadas mais negras pela precipitação, gotas de chuva começaram a tocar-me nos ombros. O chão estava quente. Caminhei pelos paralelos e, timidamente, ia colocando os pés na relva. Quando cheguei ao fim do caminho, curto, olhei para o céu atrás de mim, para um quarto crescente que iluminava o espaço.
    O céu coberto de nuvens, que lhe desenhavam formas e texturas, eclipsava a lua, cujos raios de luz trespassavam por entre as brechas do espaço infinito. As pequenas ilhas da abóbada celeste, ausentes de névoa, permitiam observar as sublimes estrelas que brilhavam de forma não presunçosa. As luzes alaranjadas da rua deserta, ao fundo, foram-se apagando. Primeiro uma, depois outra; e a área envolvente ficou mais negra ainda, iluminada apenas por aquela pálida luz celeste.
    Recordei que anos antes, mesmo ali, numa noite também tardia de verão, me deitara na relva, contemplando um céu de luar; mas a memória de uma víbora que dias antes encontrara na relva afrontava-me, aniquilando-me a vontade de, agora, me deitar. Mas pareceu-me que o devia fazer, que era crucial. Relutante, fui-me deitando e a erva seca espetou-se nas costas de todo o meu corpo. No momento preciso em que toda a minha compleição se encontrava em contacto com o solo, um relâmpago forte, isento de trovão, iluminou o céu.
    A chuva foi-me beijando, assim, todo o corpo. Tudo aquilo durou apenas alguns segundos e, na verdade, nada mais pareceu ter durado que isso. Levantei-me e as costas começaram a dar indícios de comichão. Olhei a lua de palmas abertas e subi os degraus até chegar às escadas secas.

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