Que nos valha a retórica
Cada vez mais vou notando, em pessoas que não me são tão distantes assim, ideias simpatizantes às do CH, com argumentos que relativizam as suas propostas mais extremas.
O Chega não é, por definição, um partido de extrema direita. É um partido liberal, de direita conservadora que (não oficialmente) mostra uma tendência para posições marcadamente discriminatórias. Embora não se insira da definição histórica da extrema-direita, muitos dos seus apoiantes estão ligados a grupos violentos e movimentos xenófobos que promovem ódio contra comunidades estrangeiras, LGBTQIA+ e minorias. E o partido tem que assumir responsabilidade pelos movimentos que inspira, mesmo que não os reivindique diretamente.
Diogo Pacheco de Amorim, uma das principais figuras do Chega, esteve ligado ao MDLP, uma organização armada que se opôs à descolonização. A Rita Matias, voz ativa contra o aborto e defensora dos valores tradicionais, é filha do ex-líder do PPV, uma força cristã-conservadora que se opunha ativamente ao casamento homossexual, divórcio, educação sexual e eutanásia; e que se fundiu ao CH.
Para os mais inclinados à direita, se o liberalismo económico é o que vos atrai no partido, é importante lembrar que há outros que celebram os mesmos valores sem ofender, excluir ou polarizar, mantendo um discurso democrático e respeitador da diversidade.
Quanto ao AV, até consigo acreditar que não seja mal intencionado, mas a incapacidade de liderar é visível no caos interno do partido: com deputados constantemente envolvidos em polémicas, discursos contraditórios e, por isso, uma aparente negligência em controlar o que se passa dentro de casa.
Consigo compreender que algumas das propostas do Chega possam parecer atrativas a quem está frustrado com o sistema político. Mas será que essas medidas não existem, com mais equilíbrio, noutros partidos que não dividem, que não ofendem, e não criminalizam minorias? Felizmente o sistema politico português não é bipartidario, e temos muitas opções que não comprometem os princípios fundamentais da convivência democrática.
E de facto os últimos 50 anos têm sido monopolizados por duas forças politicas, mas não é como se o PS e PSD fossem entidades monolíticas e imunes ao tempo. O paradoxo do barco de Teseu — se todas as peças de um barco forem trocadas ao longo do tempo, ele ainda é o mesmo barco? — prova que os partidos também mudam.
As pessoas mudam, as lideranças mudam, as prioridades mudam.
Não estou aqui para me afiliar a partidos, mas defender ideais de justiça, respeito, liberdade e progresso. Tenho fé de que esta nova realidade política, que parecia longínqua e improvável, possa finalmente acordar a oposição. Que sirva como alerta. Que traga seriedade ao debate. Que leve mais pessoas a participar, a questionar, a construir, e que não exclua vozes. Nenhuma. Que nos valha a retórica.
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