Carta do verão ao outono
Devem ser 6h da manhã quando toca o trompete da cavalaria e me sento, ainda desacordado, na casa de banho escura.
Depois descubro que são 8h, embora a sensação circadiana seja de 4, e deixo que o meu nu encolhido se acomode à ambiência de azulejo, venerando o meu recém-adulto que rejeitou a chamada para a tropa mesmo achando que daria uma mestria cinematográfica.
Olho-me ao espelho inchado, mas não me preocupo. Hoje posso. Cumpri todos estes dias, e só amanhã a chispada recomeça. Pela primeira vez em semanas, o dia me verá bem tarde, sem despertador e em modo de voo, despreocupado de urgências por fazer e listas por picar.
É domingo, mas não sabe a dia triste. Sabe a continuação da carreira, em passo leve, e não a despedida ou solitude. Prevejo um domingo preguiçosamente bom, que podia ser a manhã lenta de um fim de semana prolongado, ou uma terça feira pré natal.
Consigo regressar à cama e nem olho a lâmpada apagada, que dou por mim fixar em silêncio em alturas em que os domingos são invernos e a calada é triste.
Hoje não. Hoje os cabos que se desprendem do teto até à luz despida não passam disso mesmo, e os galos que cantam ao longe não são mais que animais inocentes. As próprias obras deram-me descanso e não me deprimem os outros quartos habitados de pseudo-estranhos.
Hoje posso voltar para a cama sabendo que meu coração repartido está à distância de um toque e a longitude não tem o mesmo peso.
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