Os 60 do meu pai

Hoje, de regresso a Lisboa, enquanto me encolho na camioneta e evito a todo o custo roçar o meu cotovelo ao do homem ao meu lado, dou por mim pensar no dia 8 de janeiro.
    Oito de janeiro será sempre a data do aniversário do meu pai. E por muito bizarro que seja o facto de conhecer uma mão de pessoas que façam anos nesse dia, nenhuma delas lhe tira a supremacia. 
Nascido em Portimão, veio ao mundo com um nome prometido pelo meu avô a Deus caso sobrevivesse à Guerra Colonial. É Francisco Xavier Martins Amorim. Sou, tal como ele, de nome composto, e cresci ouvindo usarem vocativos diferentes. Mas, contrariamente a mim, ele pouco se importava: sabendo-o Xavier, nunca o ouvi corrigir quem o chamasse Francisco.  
    Aborrecido com a viagem longa, faço contas rápidas e relembro-me que o meu pai fez 60 anos e que não os celebrei com ele. E de repente sinto-me mal. Sinto-me culpado. E só agora, seis meses depois, me vem o luto pela minha ausência no seu aniversário. E deixo-me culpabilizar por ser o segundo ano seguido que não festejo com ele. E por muito que os 59 também só se tenham comemorado uma vez, os 60 marcam seis décadas e eu não estive lá. 
    Dou por mim triste e a sentir que lhe falhei.
    É por isso que agora, aqui em esforço, apertando a bexiga a toda a força para não me mijar, escrevo este texto. Para que não me esqueça. Para que para o ano esteja mais presente. É o meu pai; de quem herdei os músculos das pernas e as unhas dos pés. É o meu pai e eu gosto dele. E por muito que goste dele, nem sempre o faço saber.

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