banho portátil

A residência alugada tem pequenas chávenas azuis de porcelana e mais almofadas do que aquelas que consigo contar. O teto em madeira é de águas furtadas e agradam-me os panos decorativos e os candeeiros em esfera. Nas paredes há fotografias do Kerouac, do Dylan, do Lenon, Cohen e Freud. Encontro o Camus, Ghandi e Mandela e também identifico aquela jornalista de pala no olho - a do filme com a Rosamund Pike. Há ainda outras figuras que não conheço mas, tendo em conta este historial, provavelmente devia.
    A casa de banho está decorada com pequenas estátuas budistas e ornamentos cuidados. Há amostras de água de colónia e o gel de frutos del bosque vem pousado numa travessa de prata (provavelmente é inox, mas não quis estar a verificar para poder agora romantizar sem culpa). 
    Fascina-me a decoração de interiores e a disposição do espaço é lindíssima. As ventanas têm redes anti mosquiteiras e há ainda janelas em madeira que abrem para dentro.
    A banheira é um tanque de loiça pesada e dispendiosa que se dispôs no centro do espaço. Deixa-me seduzir a possibilidade de um banho de imersão e proponho-me a rodar a manivela da torneira e a fechar o ralo. Deito-me com movimentos demorados e espero que a água temperada me submersa. 
    Mas interrompe-se a merecida temperança quando um alerta me relembra que tenho que sair para jantar. Levanto-me com ímpeto exagerado e fecho a torneira. Vejo, com tristeza, a escassa água escoar - foi-se demasiado precoce e não cumpriu a que se propôs.
    A ausência de cortina atribui a este banho uma qualidade desprotegida - estou nu, de pé numa banheira chique no centro de uma casa de banho espaçosa. A água que me cai nos ombros salpica para a carpete e a música dos Mercado Negro transporta-me para outro espaço e tempo.
    Nas férias quentes, em parques de campismo, costumávamos pendurar um chuveiro portátil na parte de trás da roulotte. Era uma botija pesada, cheia de água, com uma mangueira fina que se ia espalhando pelo corpo. De vez em quando caíam pinhas por perto e as folhas das árvores colavam-se à pele molhada. Tocava, já não sei se em diegese ou não, o "Leoa Tigresa" e mais tarde comíamos feijão frade com atum e ovos cozidos.

O Sol e a Lua
Combinaram um dia um encontro
Porque se dizia
Completavam-se um ao outro
O Sol, teimoso como sempre
Nasceu resplandescente
Disposto a conquistar
Pensando que em qualquer rua
Estaria a Lua para o abraçar
Mas a Lua não apareceu
E no canto do céu
O Sol se meteu
Sozinho, triste e distante
Foi cantando esta canção:
Lua! Não me ligas nenhuma!

    Os meus pais continuam a ir acampar de caravana, mas deixei de os acompanhar. Já não caibo na cama com o meu irmão e nos últimos anos costumava ficar numa tenda debaixo do toldo. Agora já sei como se prepara a comida e o lugar de trás do carro é demasiado pequeno para esticar as pernas. Confesso que tenho saudades das refeições tardias debaixo das estrelas mas temo que, para o bem ou para o mal, me deslumbre menos.

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