Chá

Passei a apreciar chá na casa de um casal amigo dos meus pais. Até aí detestava. Era chá vermelho e o marido tinha um Porsche daqueles antigos, vermelho também. Ou talvez fosse preto; ou então cinzento. Admito que esta não é das minhas lembranças mais detalhadas. Sou epicurista de chá faz uns anos e por isto já foi há algum tempo.
    A casa era enorme. Tinham uma sala grande e acolhedora, exageradamente decorada e apinhada de sofás em pele clara. As poltronas tinham uma alavanca preta do lado direito e inclinavam para trás para que se esticassem as pernas. As varandas tinham vidro, o que dava a ilusão de uma sala ainda maior.
    Do forno saiu uma rica tarte de maçã que a esposa cozinhara para nós. Sentámo-nos na mesa ao lado da pequena janela da cozinha e comemos nuns pratos azuis de porcelana. Sempre fui mais de cozinhas do que de garagens e a gula pôs-me a fazer companhia às mulheres. 
    E foi a primeira vez que comi tarte. Até aí pensava que tudo era bolo e que tartes só se viam em filmes. Mas às vezes ainda me vem o cheiro daquela tarte de maçã e canela, que me juraram ser mais saudável por estar carregadinha de açúcar amarelo.
    Tarte de maçã e canela com chá vermelho numa casa grande para uma família grande.
Uma das três filhas do casal era a Rita. A Rita tinha cabelo escuro, liso e longo, e lembro-me de a achar lindíssima. Era demasiado velha para mim, mas rapidamente me apaixonei.
    Tenho o dom de me apaixonar rápido e maldição de me desapaixonar com mais rapidez ainda.
    A Rita ensinou-me umas notas no piano, que ainda hoje sei, e o namorado alto dela apareceu umas horas depois. Então fiquei-me pela cozinha com a mãe, a minha mãe e as filhas solteiras. Lá me contentei com repetidas fatias de açúcar e uma chávena gorda de chá. 
    Lembro-me que gostar de chá me fez sentir adulto.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Uma ode em três partes

Isto não é uma pub

O apagão