Alkimya do Tempo e a Vontade de Partir

O vento da serra termina de fumar o meu cigarro. O sol de azul rosado põe-se atrás dos montes altos e já não o vejo. O banco de rua castanho em que me sento é velho e eu também. 
    Hoje decidi tirar de mim todo o ruído de fora. Calar-me para ouvir o sopro e as folhas. Acolher o nada que sempre existe e me guia, mas que eu esqueço. 
    Dura pouco. 
    Encontro no silêncio um voyeurismo interior e, logo que me abro a ele, escrevo. Forço-me para rejeitar os mestres da passividade e da temperança, embora saiba que eles estão corretos. Um dia também serei assim e abraçarei uma inação contida. Por agora sou demasiado novo e não posso; nem quando me apetece. 
    Especialmente quando me apetece.
    Assim que o frio chega para me comer os ossos, lembro-me que deixei a janela aberta e regresso ao quarto 5013. A lua está mais alta, já ha luzes amarelas na praça e eu caminho com a pressa de quem ainda tem que descansar. 
    Rejeito o ascensor e subo os cinco lanços de escadas com a sensação de assim preservar parte da minha humanidade. Deito-me no colchão confortável e sinto todo o meu ser expirar de desafogo. Sou daqueles a quem 20 minutos bastam, embora confesse que por vezes o cansaço me prolonga o cerrar dos olhos. 
    Neste vazio ouço o bater do coração nas minhas costas. Tum, tum. Tum, tum. Ritmado, vivo. Quanto mais o escuto, mais ele relaxa. Depois quase se cala e eu atento-o desafiar o mutismo e o pulsar que me mantém vivo. Pressinto-o comportar-se como quem é abraçado e só com esta segurança pode dispensar o peso da sua tarefa. 
    Assim que tomo a consciência, ele renasce para se expressar, aqui e ali, por linhas irregulares de som aquático. Comunica numa linguagem que não aprendi a ler. E se o tambor cardíaco se calibrou em morse e nos falou durante todo este tempo? Um guardião encarnado que se expressa e nós, ruidosos, passamos a vida sem atender. 

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