Fascina-me como se repetem as correntes e ordens de pensamento. Como as ideias, ilusões e eventos virtuais partem sempre de um a priori já existente. Nada escrito ou pensado é realmente autêntico e original. Já tudo antecedeu e prelimitou o agora. O novo é já velho.
    Dominar um assunto cinge-se a uma explicação sucinta do mesmo, de modo a que este seja percebido por um leigo. Mas eu cá gosto do abstracionismo das coisas. A prosa, como exemplo suspeito, aprecio-a quanto menos a dominar numa primeira interpretação. Maior é o deleite quanto menores intenções denotar a princípio e mais enigmas der por mim ter que desvendar. Embora não intente a pretensão de demonstrar qualquer tipo de domínio, não encontro no inexato falta de caráter. O texto corrido é um desbrochar, em série, de sensações. Cada frase leva uma saborosa introdução, desenvolvimento e conclusão. Uma composição é rica em temperos e não por causa deles.
    Tenho dificuldade em aceitar que esta lógica se aplique igualmente à poesia, de que a suspeita não me toca tanto. A poesia realmente apreciada é-me mais semiótica. Tudo é outra coisa, nada é nada. Na prosa controla-se e escolhe-se deliberadamente; principiam-se as frases como quem começa uma escultura de raiz. Na prosa escolhemos o material que esculpimos. Na poesia apenas as cores com que pincelamos a estátua. 
    O poema belo não oportuniza a arbitrariedade nem dá espaço para a desordem. Ao passo que na dissertação decido ser cabalístico, na poesia a ambiguidade é-me formalmente impingida e confina-me. Condicionam-se-me as escolhas pela finitude limitativa dos versos. 
    Aí reside a minha falha poética. O pressuposto de que este entendimento é incontestável e o bebo como axioma. Não sei fazer poesia. Não ouso. A minha complexidade imprecisa fiscaliza-me e restringe o poeta que não sou. 

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