Antes dos coros, demora-se a guitarra da Sun King e o chá fumega no aposento de matização terne. Os acordes oscilam o fresco de um fim de banho. Uma rotação que, como tantas outras, anoitece cedo. Poupe-se o sol se já de luz estamos nós. Perto de mim um Nobel de capa dura. Azul marinho e páginas amarelas de recalques da existência. Lá de fora, pela tímida abertura da janela, apresenta-se o aroma a Inverno - o cheiro da noite enquanto ainda é dia. Essência e silêncio são a aura da sala e de toda a casa. O escuro, instantes seguidos, idem. Sobrevivem somente os frágeis traços da chuva que caem dos canais. Sobejos de bravura líquida que rejeitam tombar no sobrado.
Uma ode em três partes
CAPÍTULO I Conheci o Zé Carvalheiro numa ação de distribuição de bebidas gaseificadas. Fomos contratados para carregar mochilas térmicas de 15kg pelo verão infernal de Lisboa e só nos safou as que fomos bebendo à pala durante oito horas. Mais tarde reencontramo-nos numa ação de distribuição de mentos, mas nem as caixinhas que sobraram compensaram o preço que recebíamos à hora. Mas já não sei porque raio terá sido, ficamos amigos. O Zé estudou Belas Artes e agora é ilustrador no Público, mas na altura andávamos a fazer estes trabalhinhos de caca. Por vezes montava barracas na Feira da Ladra para exibir os seus trabalhos e cheguei a comprar-lhe um autocolante com uma ovelha que dizia "Life is a - meeeeh – zing", que guardei religiosamente na carteira. Uns meses depois descobrimos que éramos vizinhos. E em alturas em que eu não estava para aturar os 4 marmanjos com quem vivia, íamos à Paiva Couceiro ver os velhotes discutir e os putos ...
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