Compilação de mins

    Deitado, de costas arqueadas, sobre uma rocha debaixo de um céu negro. Uma nuvem aproxima-se da minha linha do horizonte, vinda de trás do meu corpo. Defino-lhe uma forma quase humana. De um cadáver esquelético, de tronco despido e um elmo que lhe cobre a cabeça. Encontra-se na mesma posição que eu, ali, por cima de mim, no céu, em voo deitado. O vento, delicado, coloca a nuvem bem à minha frente. De braços abertos, aquela forma e eu. Na palma da sua mão surge uma estrela, viva, que se destaca no meio de todas as estrelas que me permito ver. A estrela deixa-se estar ali pousada, na sua mão esquerda, por cima da minha mão direita; e eu sinto-a, percebo o seu peso.
    Às vezes presumo que me permito a ver o mundo como um juiz de fora, como um não humano que se abstém de tudo, que apenas olha - vejo o termo dos anos, o quão fugaz tudo é. O frívolo absoluto das coisas, que me foi atirado como uma toalha gigante, que me sacudiu a alma e a fez sair pelas costas. Do ano 2000 parece que me distanciam poucos anos e, no entanto, duas décadas se passaram. E em duas décadas um corpo sofre. E sofre muito.
    Deus minúsculo (porque um maiúsculo é demasiado partilhado), é o palpável, o confim e o além. É tudo o que vejo. sinto, ouço, e mais. É tudo o que existe. E eu descendo disso. Todos descendemos igualmente. De todas as partículas que conhecemos, de todos os fenómenos que teorizamos. Partimos todos de uma mesma peça. Mas acho que o transcendente não devia ser uma preocupação tão constante e crucial na nossa vida. Como o filósofo que pensa e chega ao final concluindo que de nada serve pensar, porque nada se sabe. Às vezes acredito profundamente, como um facto permanente, que não serve, mesmo, de nada, pensar. Se somos uma entidade tão pura e segura, porque não nos mantivemos assim? Qual é a necessidade de ser filipe, quando posso Ser, apenas? - um apenas com toda a força do mundo. Acredito que o nosso plano humano é essencial, ou não existiria. É a dissolução, ou permaneceria extinguido antes de, sequer, existir.
    Preciso de me reencontrar. Ou talvez este seja eu. Como podem exigir que compreenda o próximo, se não conheço a minha totalidade? Não me posso, de todo, prender naquilo que creio ser. Às vezes penso que caminho num mundo de gente grande, a fingir que grande sou, embora não o seja. Visto um manto negro que cobre o embuste que sou. Talvez eu não queira paz. E digo-o como alguém que já sorriu ao lembrar-se do futuro. Já não o faço, não me lembro de nada, e deixo-o à Sorte. Sei que o meu ódio é uma defesa para o coração não se partir, sei que mais vale parecer predador e não ser, do que parecer presa e perecer. Mas não me conformo. Não. O conformismo é o maior entrave ao desenvolvimento pessoal, mas já não conheço o meu pessoal. Tento ser tudo e todos ao mesmo tempo que tento ser eu mesmo. Mas não quero ser nada que agora não sou ou poderei vir a ser.

Comentários

  1. Fantástico!!! A profundidade do teu mundo interiorneste texto, é desconcertante!!! Estou a tentar absorver as tuas palavras e fico em êxtase, de tantos sentidos que elas têm!! Tentar discerni-las para que não as sinta todas em rodopio na minha cabeça, está a ser uma tarefa hercúlea!
    Obrigado por escreveres tanto e tão bem, sobre as coisas que nos fazem pensar... sobretudo quando estão no limbo... Ou na linha ténue de ser uma coisa ou outra, ao mesmo tempo... E com isto, fazes-nos, a nós leitores, pensar as coisas em todas as perspetivas que consigamos. As verdadeiras; as que não são ou talvez sejam; as que desejamos que sejam e as que sentimos e não vivemos, por falta de coragem ou só porque não vão de encontro ao que "a manada" pensa....

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