No primeiro mês de 2014 escrevi, recordo, num autorretrato de miúdo de 15 anos: "(...) um monte de folhas, pilhas de livros e uma dúzia de apontamentos e sarrabiscos à mistura." Olho em volta, para o quadro do meu quarto das três da manhã, e noto que, nesse aspeto, pouco mudou. Não é que alguma vez me tenha afastado, mas regressei, em força, aos pequenos papéis espalhados pelo quarto; as anotações, os "sarrabiscos à mistura" que, por vezes, inconformado, me vejo descartar por não compreender as palavras que nele estão escritas, tal é a urgência em dar-lhes uma forma física. Tenho agora, além disso, seis anos depois, cadernos. Páginas perdidas, preenchidas, sem relação, em cadernos não destinados para o efeito. Coisas que quero criar. Acredito que as ideias estão por aí, soltas pelo universo, à espera que as encontremos e tomemos como nossas. Mas não tenho o tempo que gostaria de ter - e estou de quarentena. Os dias são muito curtos, tudo é. Gostava de conseguir abrir um livro, folheá-lo a três tempos e tê-lo lido; e ter conseguido saborear cada palavra igualmente, como se só dela me tivesse dignado a prestar atenção.
Tenho vindo a ler a bíblia. Leio várias passagens de manhã, em banhos caseiros de sol, embora hoje não lhe tenha tocado nem tenha sido tocado pelo sol. Não me assumo como cristão. Aliás, não o sou. Fui batizado, claro, mas a escolha pessoal tem mais força do que o que me foi imposto quando os meus olhos ainda mal abriam. Mas algo deve ter de especial para que este seja o best-seller mundial, que acaba por se tornar imortal na sua temporalidade. Não me rendo a preconceitos e leio-a, com prazer. A sensação de passar os dedos pelas folhas finas é algo de metafísico. Existe uma passagem, que sei algures nas primeiras 100 páginas (embora não consiga precisar melhor que isso), que diz: "E todos os dias da vida de Isaac foram 180 anos". Senti-a, com força. "E todos os dias da vida foram 180 anos". Viver 180 anos num só dia, quão bom seria isso? Existem outras duas frases que, até agora, me seduziram, e deixo, aqui imortalizadas na forma mais mortal de eu ser: "e Deus viu que isso era bom" e "Eu sou aquele que sou". Guardo-as comigo.
Não é que eu agora, a uns meses dos meus 22 anos, seja egocêntrico; mas sou um pouco. Não o vejo como algo mau, contudo. Coloco-me à frente dos outros e das outras coisas. Mas quem não o faz? Eu, simplesmente, tenho o entendimento disso e não o recuso. Faço-o educadamente e sem o intuito de prejudicar. Se algo me faz mal, se não me leva a lado algum, desprezo, recuso e desconsidero. Se me faz bem, fico e absorvo. Isto cria nos outros, contam-me, um certo juízo de valor em relação à minha pessoa: que sou um autómato que não sinto. Na verdade, eu sei sentir calado, eu sei sentir para mim, eu sei sentir sem que tenham que o saber. Eu não preciso de uma plateia, embora esta me favoreça, em certos casos; eu preciso de mim, para mim. Existe uma diferença bastante consciente entre o automatismo e a autonomia. Ofereceram-me, e estimo quem o fez, pelo gesto, uma série de livros do Mário de Sá-Carneiro. Suicidou-se o corajoso. E anotei uma frase dele, a que não pude ficar indiferente: "Eis uma das poucas coisas de que me posso orgulhar na minha vida: Nunca fiz nada que não gostasse de fazer e que pudesse deixar de fazer". E é isto.
Tenho vindo a ler a bíblia. Leio várias passagens de manhã, em banhos caseiros de sol, embora hoje não lhe tenha tocado nem tenha sido tocado pelo sol. Não me assumo como cristão. Aliás, não o sou. Fui batizado, claro, mas a escolha pessoal tem mais força do que o que me foi imposto quando os meus olhos ainda mal abriam. Mas algo deve ter de especial para que este seja o best-seller mundial, que acaba por se tornar imortal na sua temporalidade. Não me rendo a preconceitos e leio-a, com prazer. A sensação de passar os dedos pelas folhas finas é algo de metafísico. Existe uma passagem, que sei algures nas primeiras 100 páginas (embora não consiga precisar melhor que isso), que diz: "E todos os dias da vida de Isaac foram 180 anos". Senti-a, com força. "E todos os dias da vida foram 180 anos". Viver 180 anos num só dia, quão bom seria isso? Existem outras duas frases que, até agora, me seduziram, e deixo, aqui imortalizadas na forma mais mortal de eu ser: "e Deus viu que isso era bom" e "Eu sou aquele que sou". Guardo-as comigo.
Não é que eu agora, a uns meses dos meus 22 anos, seja egocêntrico; mas sou um pouco. Não o vejo como algo mau, contudo. Coloco-me à frente dos outros e das outras coisas. Mas quem não o faz? Eu, simplesmente, tenho o entendimento disso e não o recuso. Faço-o educadamente e sem o intuito de prejudicar. Se algo me faz mal, se não me leva a lado algum, desprezo, recuso e desconsidero. Se me faz bem, fico e absorvo. Isto cria nos outros, contam-me, um certo juízo de valor em relação à minha pessoa: que sou um autómato que não sinto. Na verdade, eu sei sentir calado, eu sei sentir para mim, eu sei sentir sem que tenham que o saber. Eu não preciso de uma plateia, embora esta me favoreça, em certos casos; eu preciso de mim, para mim. Existe uma diferença bastante consciente entre o automatismo e a autonomia. Ofereceram-me, e estimo quem o fez, pelo gesto, uma série de livros do Mário de Sá-Carneiro. Suicidou-se o corajoso. E anotei uma frase dele, a que não pude ficar indiferente: "Eis uma das poucas coisas de que me posso orgulhar na minha vida: Nunca fiz nada que não gostasse de fazer e que pudesse deixar de fazer". E é isto.
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