(lou)cura

Nem escrever me apetece. Não quero formular frases. Quero deixar palavras soltas e sem sentido numa folha de papel. Não sei se acredito no destino. Se existir, tenho medo. Não o quero imutável. 1h53. Palavras soltas. Terça. 10/3. Estão todos contaminados menos eu. Gosto do cheiro desta tinta preta e da forma como me escorrega pela minha mão e dá à minha letra um ar despreocupado. Mas eu estou preocupado, acho. Não sei. Acho que psicanálise seria uma coisa interessante. Hoje. Amanhã já não. Amanhã sei que já sou outra pessoa. Cheia de esperanças. Que o que sinto agora, que nem me vou preocupar em saber o que é, foi levado. Entraram dois soldados, foram até à parede onde ele estava acorrentado e levaram-no. Distraí-me, enganei-me a escrever. Há uns dias disseram-me que gostavam de ponto e vírgula e passei a perceber que gosto de ponto e vírgula; muito. Mesmo que estejam mal usados. Devo ter algum tipo de bipolaridade clínica não diagnosticada. Inspiro e expiro. Mas não quero que este seja esse tipo de texto outra vez. Estou farto de me escrever. Parece tudo falso. Sou uma farsa. Tenho de procurar sinónimos, tenho que pensar que não me posso repetir, e tenho que pensar que vou ser lido. Mas pensar que vou ser lido dá-me demasiada consciência. Mas nem sempre a quero. Tenho-a em demasia e não é bom. Nem quero saber. Nem sei quem tenho. O que gosto dá-me trabalho, tira-me o sono e deixa-me nervoso. Depois vale a pena, mas às vezes o depois nem chega. Acho-me tão intelectual, mas depois às 02h04 vejo-me pendurado por um fio em cima de um vulcão e percebo que não sou nada. Tive que me forçar a virar a página, porque nem isso me apetecia fazer. Se Saramago escreve como lhe apetece, é Saramago. Se eu escrever como me apetece, sou eu e está mal. Não costumo escrever em papel quadriculado. Desperdiço sempre um bocado. Deixo uma linha vazia entre as frases, mas foi assim que a minha mãe me ensinou a fazer. Dizia que ficava mais bonito. E, realmente, fica. A minha professora de matemática chamava-se Céu e trocava os Vs pelos Bs. Aliás. Ela trocava os Bs pelos Vs e os Vs mantinha. Estou a ver se me lembro de um exemplo, mas agora não me surge. Mas está perto. O que me vem é um problema qualquer que envolvia a toca de uma raposa. Aí algures tem um B discriminado, mas não o encontro. Não é importante. Há tanta coisa não importante. Há tanta coisa que eu ia querer, mas que entretanto não quis. Já levei muitas chapadas de luva branca. Se calhar chapada de luva branca não é a melhor expressão. Podia ir verificar se era, mas também não estou para aí virado. Chapada de luva fria. Chapada de mão molhada. Uma cena desconfortável que me faz perguntar o que é que aconteceu e o que é que não me aconteceu. Há dias (estou a ler um livro)(aliás, estou a ler vários) estava a ler um livro. É interessante, por acaso. O escritor criou uma história fictícia. Supõe-se que toda a história é fictícia ou tem algo de fictício que a torne mais comercial; mas nesta história, ele tinha a consciência que a história era fictícia. Era sobre uma mulher, e ela questionava-se se somos o nosso rosto. E ele, ou ela, deu o exemplo que, se vivêssemos num mundo sem espelhos e, aos 40 anos, nos víssemos ao espelho, não íamos reconhecer o nosso rosto, nem nos íamos associar a ele, porque não somos o nosso rosto. Também se falou que não somos o nosso nome - e até se falou disso duas vezes - mas isso até é bastante óbvio (embora tenha escrito a citação do escritor numa folha de papel, para o caso de um dia me esquecer). Mas, para mim, o escritor também não é real. Só conheço dele um nome, uma fotografia a preto e branco e a citação de um Zé-Alguém a elogiar o livro que eu roubei. Mas, tanto quanto sei, ele, com o nome próprio de uma cidade que agora está de quarentena e que eu visitei quando estava numa relação que, na noite anterior a eu adormecer, teria feito 4 anos, não existe. Já estou a divagar. Acho que o propósito disto é, na verdade, divagar. Mas não gosto de divagar sobre amores e vou-lhe pôr um filtro. Tanto quanto sei, o escritor não é real. Tanto quanto sei, a China não é real. Nunca lá fui. Quem é que é o quê para me dizer que lá está? Este é um pensamento que já usei antes. Pareci todo teorias da conspiração para um grupo de quatro pessoas que tinha todo o interesse em impressionar. Ainda nem sei se resultou. E isso, na verdade, pode ser que seja a raiz deste problema. Tenho que acabar com isto para ir à casa de banho. As idas à casa de banho interrompem-me muita coisa, mas dizem que faz bem beber água. Sei que quando voltar já não me vai apetecer escrever mais, por isso vou ter que acabar com isto. Mas não sei acabar coisas. Sinceramente, prefiro que as acabem por mim. Tive uma namorada e as coisas não estavam muito bem - a culpa foi minha. E decidimos dar um tempo. No final do tempo, encontramo-nos para decidir o que se ia fazer a seguir. O meu plano era terminar com ela. Ela tocou à campainha do meu prédio (na altura ainda não era o meu prédio. Agora também não é) e eu desci. Mal a vi, beijei-a, porque isso era mais fácil do que assumir o que sentia e acabar. Quão cabrão? O meu filtro dos amores está a falhar. Mas não faz mal, porque isto já foi há muito tempo. Mas eu tenho que ir à casa de banho. Vou acabar isto com a última piada que me contaram. Não que o meu objetivo com o que quer que este texto seja, seja ter piada. Mas eu sabia que quem começou este texto, não ia ser o mesmo que o ia acabar. A piada. Há dias li um estudo feito pelo instituto das estatísticas inacabadas que diz que 9 em cada 10

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