Café dos sabores

    Caminhava, eu, pela Rua de Santa Catarina quando reparo, à minha esquerda, no restaurante dos sabores. Reconheço que não me recordo se assim se chamava, mas foi o nome que anotei na altura. Do lado de fora, uma esplanada de mesas de recolher vintage, de madeira por envernizar, que lembravam um bom acampamento numa tarde em que o sol é apenas suportável ao abrigo das sombras dos pinheiros secos, cujas nuances dos ramos deixam escapar raios de sol que, esporadicamente, cegam os olhos e nos obrigam a mudar de posição para poder ver. As mesas eram poucas e estavam, na sua maioria, apesar do movimento da rua, vazias. Sentado na direita de uma das mesas, por entre as ondas sonoras de um piano tocado por um jovem a quem deixei uma moeda no cartão pousado no chão à sua frente, estava Ele. Olhava para a carta do restaurante, que, agora que penso, era mais um café, e mantinha o queixo encostado ao peito enquanto massajava a parte de trás do pescoço; e note-se que este gesto tanto podia ser despreocupado, como habilmente encenado. Usava calças escuras, não muito justas, uns sapatos castanhos, talvez camurça, e uma camisola de malha, de manga comprida e arregaçada, de um verde acastanhado; ou bege. A barba tinha uns dias por fazer, mas estava tratada. Creio que devo confessar que, na verdade, tenho apenas a certeza do aspeto d'Ele com a barba por fazer, o cabelo curto, e a camisola de malha à cor descrita; isto porque, do resto, a minha mente decidiu esquecer e a imaginação ressuscitar. Mais à esquerda, dentro do espaço do, agora, decididamente, café, estava Ela. A Ela, ao contrário d'Ele, que não sei o que era e não me dispensei a supor, servia às mesas no café. Atenção que este ofício não esgota a totalidade de tudo aquilo que Ela era, mas permitiu-me ter uma noção imprecisa da mesma. Isto porque, tanto quanto sei, Ele podia até não falar português. Reparo, agora, que uso muito o estilo comparativo entre Ela e Ele, mas faço-o apenas devido à ordem com que presenciei a situação; tanto me dava narrá-la primeiro. Voltando a Ela. Ela era magra, de cara ossuda e talvez comprida; a tez de um pálido quente. O seu cabelo era liso, de um claro a virar para o escuro. Vestia calças pretas, das quais já não consigo determinar o material, e estava de pé, no centro do espaço interior, a uns passos de caminhar para a esplanada. Sapatos de um preto polido, brilhante. A camisola, ou camisa, de manga comprida ou curta, era branca. Ela colocava, agilmente, um avental preto à sua frente e dava-lhe um nó nas costas. Do canto do olho, Ela olha para Ele. Ele continuava a coçar a parte de trás do pescoço. Ou talvez o tenha visto, até, a coçar-se por baixo do queixo, ou a puxar a pele fina, frontal, do pescoço. Definitivamente, do que vi, algo aconteceu. O que aconteceu depois não consigo apontar porque voltei a rodar os olhos para o passeio.

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