As pessoas já não pensam em ouvir; pensam, sim, no que vão responder logo a seguir. Não aborvem, atacam. Acenam afirmativamente para demonstrar uma presença que assim se revela desinteressada. Usam a conversa como forma de masturbação do ego, de sobrevalorização do ponto de vista pessoal, e a deixa do outro não serve de ensinamento, mas de mote. Murmuram redundâncias enquanto passivos, porque seria inaceitável do emissor surgir um monólogo sem intervenção do recetor - isso seria um atentado à carga pessoal. Não aceitam que a última palavra não seja a deles. As pessoas, ou indivíduos, já não se importam em escutar. Nascem ensinados. A boa conversa é aquela que consiste num contra-ataca, numa constante troca de argumentos que procuram contrariar o anterior. Mas os bons argumentos são os argumentos puros. Os argumentos que partem da vontade de querer saber e não da vontade de uma supremacia pessoal, de anular o silêncio da voz de quem ouve.
Uma ode em três partes
CAPÍTULO I Conheci o Zé Carvalheiro numa ação de distribuição de bebidas gaseificadas. Fomos contratados para carregar mochilas térmicas de 15kg pelo verão infernal de Lisboa e só nos safou as que fomos bebendo à pala durante oito horas. Mais tarde reencontramo-nos numa ação de distribuição de mentos, mas nem as caixinhas que sobraram compensaram o preço que recebíamos à hora. Mas já não sei porque raio terá sido, ficamos amigos. O Zé estudou Belas Artes e agora é ilustrador no Público, mas na altura andávamos a fazer estes trabalhinhos de caca. Por vezes montava barracas na Feira da Ladra para exibir os seus trabalhos e cheguei a comprar-lhe um autocolante com uma ovelha que dizia "Life is a - meeeeh – zing", que guardei religiosamente na carteira. Uns meses depois descobrimos que éramos vizinhos. E em alturas em que eu não estava para aturar os 4 marmanjos com quem vivia, íamos à Paiva Couceiro ver os velhotes discutir e os putos ...
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