Horas antes
O inverno escureceu num ápice este ultimo dia do ano. Sentado no sofá da sala com umas calças de pijama e uma "sweat" do dia anterior, numa monotonia de "é o ultimo dia do ano mas é tão igual/diferente como foi o de ontem ou será o de amanhã" (aquela filosofia de que foi o homem que inventou o tempo e de que o calendário gregoriano não passa de uma criação papal), quando me lembrei que tinha ouvido algures que iria estar uma noite fria.
Inconscientemente, subi ao meu quarto e coloquei uma camisola, um casaco polar, enrolei um cachecol no pescoço, calcei umas luvas e ainda um gorro - que pouco me tapava as orelhas - com o propósito de testemunhar o tal frio de que tanto falaram.
Abandonei a casa pela sala após ignorar o "onde vais?" da minha família e deparei-me com um céu negro mas surpreendentemente claro: estava habitado por algumas estrelas longínquas e uma quase lua cheia que atuava como candeeiro.
O frio era percetível pela quantidade de vapor que se despedia da minha boca ao expirar e limitei-me a parar e a contemplar: a única face da lua. Decidido a não deixar ficar por aí todo o trabalho ao colocar aquela quantidade de roupa, deixei-me levar pelo som neutro das minhas passadas lentas e curtas à medida que caminhava em direção ao portal do quintal.
Abatido pelo tempo, arrastei o agora mais pesado portão e abandonei o perímetro da casa em direção à entrada do bosque, em que há muito não entrava, sem muita certeza do que estava prestes a fazer.
Caminhei um pouco mais rumo a toda aquela escuridão e deixei-me ficar de pé num circulo distorcido que a luz do luar havia criado no chão. Passei o meu olhar por aquilo que me rodeava e o meio não passava de um contraste de cores escuras e as luzes amarelas das lâmpadas da rua que se viam por entre uns ramos. Resignado a lançar um novo olhar aquele negror, fixei-me somente na lua.
Aquele foco puramente branco revelou-se o principal destino do meu olhar naquela noite. Observei e contemplei. Segundos depois relembrei-me de toda a opacidade que me rodeava e fui invadido por famílias de pensamentos obscuros. O que estaria escondido naquela imensidão de árvores, relva, terra e troncos caídos?
Ainda de olho no satélite natural, procurei calar a minha respiração e escutar, com o objetivo de compreender aquele incerto que me aprisionava. Mas o bosque estava desprovido de som e isso, ao contrário do que possa parecer, tornou todo aquele cenário ligeiramente mais assustador e decidi, por fim, cessar o meu pensamento.
Este foi substituído pelo som acelerado do meu batimento cardíaco e foi aí que me apercebi que não estava tão relaxado como ao início pensei estar. Rebaixei o meu olhar por segundos e desloquei-o para a entrada do bosque e para a minha casa ao longe. De seguida, olhei para o sentido contrário - o bosque escuro - e prossegui.
O curso para a escuridão, para o medo e para o indeterminado revelou-se muito mais simples assim que o iniciei. Finalmente a minha mente e o meu corpo tinham aceite onde eu estava, a minha meta e que eu também fazia parte disto.
Percorri mais uns passos e entrei numa zona do caminho em que as árvores altas cobriam por completo todo o alcance daquela luz indireta e originaram um ponto cego a que os meus olhos, relutantes, acabaram por se habituar.
Quase como que a recompensar por ultrapassar mais uma etapa do percurso, entrei num espaço amplo com alguns pinheiros, ervas daninhas e silvas altas. Voltei a contemplar a lua por escassos segundos que se estagnaram no tempo e olhei para o seguimento do percurso: um gigante pinheiro tombado impedia-me de prosseguir a trilha e para lá da árvore a vista não alcançava mais além de terra negra, troncos pretos e céu escuro.
A minha mente logo pensou que estas adversidades talvez fossem um sinal de que mais não devia avançar e deixei-.me pousar e vislumbrar, mais uma vez, o nevado no céu, dando por terminada a minha jornada naquele dia.
Contudo, procurei perceber de que forma podia penetrar toda aquela escuridão e encontrei um contorno à árvore tombada. A minha teimosia venceu a da minha mente e avancei pelo caminho.
Surpreendeu-me o novo destino. Observei-me no centro de um descampado, com nada mais mas a presença da lua. O vapor que me saía da boca manteu-me entretido e observei o caminho que tinha percorrido: já não se via as luzes da rua ou a minha casa - era apenas Eu e Isto.
As incertezas do começo já há muito se tinham dissipado mas senti que as roupas quentes e pesadas me pudessem estar a oferecer um falso sentido de conforto e segurança que não vinham de mim próprio.
Foi num tronco cortado rente ao solo que pousei o meu cachecol. De seguida, tirei as luvas e o casaco. Despi a camisola mais quente e o gorro e restava-me apenas a "sweat", que acabei por colocar em cima das outras roupas.
Enchi o meu peito nu de ar e expirei vapor em direção à lua, que por momentos se distorceu. Agora sim, era Eu e Isto.
2017 foi, na verdade, um bom ano.
Agarrei as minhas roupas e só as voltei a vestir já depois de passar o portão da casa. Voltei a entrar pela sala da mesma forma que saíra e a minha família permanecia exatamente na mesma posição, a realizar as mesmas tarefas de quando os deixara. Apesar do "onde foste?", parecia que o tempo tinha parado para me permitir despedir deste ano que nunca mais existiria, deixando em mim nada mais que gratificação.
Inconscientemente, subi ao meu quarto e coloquei uma camisola, um casaco polar, enrolei um cachecol no pescoço, calcei umas luvas e ainda um gorro - que pouco me tapava as orelhas - com o propósito de testemunhar o tal frio de que tanto falaram.
Abandonei a casa pela sala após ignorar o "onde vais?" da minha família e deparei-me com um céu negro mas surpreendentemente claro: estava habitado por algumas estrelas longínquas e uma quase lua cheia que atuava como candeeiro.
O frio era percetível pela quantidade de vapor que se despedia da minha boca ao expirar e limitei-me a parar e a contemplar: a única face da lua. Decidido a não deixar ficar por aí todo o trabalho ao colocar aquela quantidade de roupa, deixei-me levar pelo som neutro das minhas passadas lentas e curtas à medida que caminhava em direção ao portal do quintal.
Abatido pelo tempo, arrastei o agora mais pesado portão e abandonei o perímetro da casa em direção à entrada do bosque, em que há muito não entrava, sem muita certeza do que estava prestes a fazer.
Caminhei um pouco mais rumo a toda aquela escuridão e deixei-me ficar de pé num circulo distorcido que a luz do luar havia criado no chão. Passei o meu olhar por aquilo que me rodeava e o meio não passava de um contraste de cores escuras e as luzes amarelas das lâmpadas da rua que se viam por entre uns ramos. Resignado a lançar um novo olhar aquele negror, fixei-me somente na lua.
Aquele foco puramente branco revelou-se o principal destino do meu olhar naquela noite. Observei e contemplei. Segundos depois relembrei-me de toda a opacidade que me rodeava e fui invadido por famílias de pensamentos obscuros. O que estaria escondido naquela imensidão de árvores, relva, terra e troncos caídos?
Ainda de olho no satélite natural, procurei calar a minha respiração e escutar, com o objetivo de compreender aquele incerto que me aprisionava. Mas o bosque estava desprovido de som e isso, ao contrário do que possa parecer, tornou todo aquele cenário ligeiramente mais assustador e decidi, por fim, cessar o meu pensamento.
Este foi substituído pelo som acelerado do meu batimento cardíaco e foi aí que me apercebi que não estava tão relaxado como ao início pensei estar. Rebaixei o meu olhar por segundos e desloquei-o para a entrada do bosque e para a minha casa ao longe. De seguida, olhei para o sentido contrário - o bosque escuro - e prossegui.
O curso para a escuridão, para o medo e para o indeterminado revelou-se muito mais simples assim que o iniciei. Finalmente a minha mente e o meu corpo tinham aceite onde eu estava, a minha meta e que eu também fazia parte disto.
Percorri mais uns passos e entrei numa zona do caminho em que as árvores altas cobriam por completo todo o alcance daquela luz indireta e originaram um ponto cego a que os meus olhos, relutantes, acabaram por se habituar.
Quase como que a recompensar por ultrapassar mais uma etapa do percurso, entrei num espaço amplo com alguns pinheiros, ervas daninhas e silvas altas. Voltei a contemplar a lua por escassos segundos que se estagnaram no tempo e olhei para o seguimento do percurso: um gigante pinheiro tombado impedia-me de prosseguir a trilha e para lá da árvore a vista não alcançava mais além de terra negra, troncos pretos e céu escuro.
A minha mente logo pensou que estas adversidades talvez fossem um sinal de que mais não devia avançar e deixei-.me pousar e vislumbrar, mais uma vez, o nevado no céu, dando por terminada a minha jornada naquele dia.
Contudo, procurei perceber de que forma podia penetrar toda aquela escuridão e encontrei um contorno à árvore tombada. A minha teimosia venceu a da minha mente e avancei pelo caminho.
Surpreendeu-me o novo destino. Observei-me no centro de um descampado, com nada mais mas a presença da lua. O vapor que me saía da boca manteu-me entretido e observei o caminho que tinha percorrido: já não se via as luzes da rua ou a minha casa - era apenas Eu e Isto.
As incertezas do começo já há muito se tinham dissipado mas senti que as roupas quentes e pesadas me pudessem estar a oferecer um falso sentido de conforto e segurança que não vinham de mim próprio.
Foi num tronco cortado rente ao solo que pousei o meu cachecol. De seguida, tirei as luvas e o casaco. Despi a camisola mais quente e o gorro e restava-me apenas a "sweat", que acabei por colocar em cima das outras roupas.
Enchi o meu peito nu de ar e expirei vapor em direção à lua, que por momentos se distorceu. Agora sim, era Eu e Isto.
2017 foi, na verdade, um bom ano.
Agarrei as minhas roupas e só as voltei a vestir já depois de passar o portão da casa. Voltei a entrar pela sala da mesma forma que saíra e a minha família permanecia exatamente na mesma posição, a realizar as mesmas tarefas de quando os deixara. Apesar do "onde foste?", parecia que o tempo tinha parado para me permitir despedir deste ano que nunca mais existiria, deixando em mim nada mais que gratificação.
És um escritor de mão cheia, continua, tenho muito orgulho de ti bjinhos
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