Diário de um dia de Novembro

    Encontro-me exatamente a metade do mês de Novembro deste ano. A presença é outonal e os dias já escurecem cedo. A estação por norma fria, é agora aquecida pelo "Verão de S. Martinho", que decidiu aparecer este ano.
    Passei grande parte do dia no bosque à procura do meu pequeno gato, que se perdeu. Mas a busca era apenas um pretexto para reexplorar aquelas bosques, outrora explorados por um eu mais jovem. Segundo Elas, o gato ia aparecer quando assim tivesse que o ser.
    Voltei para casa de pés húmidos e frio; apesar do sol quente, as grandes ervas estavam molhadas e a água penetrava o meu calçado. Há mais de uma hora que estava fora e a minha garganta estava seca. Troquei-me por uma roupa aconchegadora e abracei uma monotonia sedentária, prometendo a mim mesmo que voltaria à floresta durante o por-do-sol.
    O tempo passou mais depressa do que o esperado e não fui capaz de apanhar a despedida do sol. Perguntei-me se valia a pena voltar para o bosque e, espreitando pela janela, observei o crepúsculo que em nada me apelava. Mas pelo sim pelo não, fui... quem sabe, talvez o gato lá aparecesse.
    Calcei umas botas impermeáveis e uma camisola quente, agarrei o meu bastão gelado e parti.
    Quem diria que um dia assim quente desse uma noite assim tão fria. Ainda não estava totalmente escuro, mas era uma questão de tempo até as Trevas caírem por completo. Tentei recordar os passos que tinha percorrido mais cedo neste dia, e fui até à localização que ambicionava. Se era um sítio belo de dia, estava surreal em pouca luz.
    Do chão cresciam ervas e folhas altas. Os ouriços caídos estavam abertos para mim, exibindo-me as suas belas e brilhantes castanhas; e ao seu redor, folhas mortas cobriam a terra, almofadando-a.
    Perfurei o bastão na terra e caminhei na rasa rocha. Eram tão belos os sons que me rodeavam! As folhas secas a cair das arvores, o riacho ao longe, o som dos animais, os pássaros... E os cheiros! Aquele cheiro a musgo e a terra húmida que insistia em não desaparecer. Era tudo tão belo. Quem diria que tinha um paraíso assim tão perto de casa.
    Abandonei a rocha e decidi sentar-me num sítio sem ouriços. Voltei-me de costas para o bastão e foi-me, assim, permitido observar o extenso bosque que tinha pela frente.
    Mas foi quando me sentei que a situação mudou.
    Escurecia cada vez mais rápido e os escassos raios de sol que restavam ameaçavam desaparecer em breve. E eu era pequeno. Um pequeno humano no centro de uma floresta pouco iluminada. E com os sons da noite a despertar, a situação tornou-se ligeiramente mais séria...
    Mas os pássaros continuavam a cantar. E eu fechei os olhos. E agora sim tudo estava escuro. A minha visão estava tapada e os meus restantes sentidos estavam despertos. O que se passará à minha volta, agora que nada vejo?
    Nada. E tudo.
    Um som repentino obrigou-me a abrir os olhos e olhar sobre o ombro direito. Mas nada se revelou, então voltei a fecha-los. Outro barulho. Nada se via. Quando voltei a escutá-lo tempo depois, obriguei-me a não olhar e a permaneci de olhos cerrados, esquecendo-me de que podia ver.
    Talvez por curiosidade, medo, ou a beleza daquele sitio, abri os olhos e olhei para o céu. Um céu sem sol e com um quarto crescente brilhante que observava: a um pequeno humano no centro de uma floresta pouco iluminada, envolto em folhas e árvores enormes que o protegiam.
    Retornei a casa e o gato havia aparecido. Qual é a probabilidade de um gato de três meses sobreviver um dia sozinho sem comida e proteção? Perguntaram-me se fui eu quem o trouxe. Quem sabe.



Comentários

  1. Meu netinho querido,para mim já és um escritor,vais ser falado pela tua capacidade de escrever,beijinho da tua avó que te ama

    ResponderEliminar
  2. Meu netinho querido,para mim já és um escritor,vais ser falado pela tua capacidade de escrever,beijinho da tua avó que te ama

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares deste blogue

Uma ode em três partes

Isto não é uma pub

O apagão