Insignificância

    Peço-vos que pensem comigo.
    Quem é o protagonista da tua história? Quem é a personagem da tua vida? Podes estar tremendamente apaixonado(a) por alguém e a primeira resposta que te vem à mente é essa pessoa; que essa pessoa é a personagem principal. Mas não é. És Tu.
    Quando estás com essa pessoa, não te transformas nessa pessoa, continuas a ser Tu. Quando não estás com essa pessoa, és Tu na mesma. A pessoa que amas não vive por Ti, Tu sim guias a tua vida, Tu sim tomas as tuas ações e Tu sim mandas em ti próprio. Por muito que ames alguém, és Tu a personagem principal.
    Tu és quem tu és. Tu sentes-te especial, porque é através dos teus olhos que vês o mundo, é através do teu corpo que vives, e todos os pensamentos teus são Tu quem o cria, pelo que não são absurdos porque são os únicos que idealizaste.
    A tua vida é a única que tu tens neste momento. A tua rotina não te parece insignificante porque é a única que fazes, é a única que conheces. Tu vives para alcançar o teu sonho. Tu tens um objetivo de vida. E o teu sonho é o melhor sonho do mundo porque se o conseguires concretizar vais-te sentir feliz e por momentos superior que todos os outros.
    Quantas vezes te hierarquizaste? Podemos ser do mais inocente que existe, mas a certa altura sentiste-te superior a alguém. Olhas-te para esse alguém e sentiste-te melhor. (Por vezes o sentimento é reverso, mas não vamos discutir isso de momento).
    Para ti, tu és importante porque só podes ser Tu e mais ninguém.
    Era esse o meu sentimento.
    Até agora.
   O engraçado é que, se pensares bem no que eu disse até agora, Tu (leitor), vais concordar comigo porque Tu és realmente o protagonista da tua história. Mas quantos Tu's é que existem neste momento? Quantos Tu's lêem e se acham o principal? Quantos Tu's é que estão a pensar que são realmente os protagonistas da sua história?
    Existem sete mil milhões de pessoas no mundo e todas elas pensam que são importantes. Todas elas hierarquizam-se em determinada altura da vida. Todas elas têm um objetivo de vida e todas elas se sentem especiais.
    Mas no meio de tanta gente assim especial, o que sou eu? O que és Tu? Será que alguém vai dar pela minha falta quando partir? É óbvio que sim, eu sou especial, as pessoas vão dar pela minha falta. Mas não. O tempo vai apagar-me. O tempo vai fazer com que a mágoa pela minha perda cesse. E eu sou apenas um grão de areia vivo no meio do deserto cheio de outros grãos de areia vivos.
    Mas e os grãos de areia mortos? Podem haver milhares de pessoas vivas, mas há ainda mais pessoas mortas. Desde há duzentos mil anos que humanos morrem. Alguém sente a sua falta? Não. O tempo faz com que morramos duas vezes: mata-nos enquanto vivos, e apaga-nos enquanto mortos.
    Quando alguém morre, a dor é profunda e podemos nunca conseguir superar a morte de um ente querido, mas a geração seguinte à nossa já se esqueceu da vida dessa pessoa, cuja morte nós nunca conseguimos superar.
    Não conheci o meu bisavô. Sei que foi um homem muito rico e que tinha até um busto em Arcozelo, Vila Nova de Gaia. Tenho a certeza de que quando partiu, todos deram pela sua falta. Mas neste momento ele é mais um que, tal como muitos outros, apesar de uma vida intensa, morreu.
    E depois da nossa morte nada importa.
   Em cemitérios, as campas estão decoradas com frases de amor, saudade e lágrimas, mas de quem morreu há um ou dois séculos, já nem a história conta.
   No fundo, nós não somos ninguém no meio de outros "ninguéns" como nós.
   Olha o céu, e vê como és pequeno.

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