CAPÍTULO I Conheci o Zé Carvalheiro numa ação de distribuição de bebidas gaseificadas. Fomos contratados para carregar mochilas térmicas de 15kg pelo verão infernal de Lisboa e só nos safou as que fomos bebendo à pala durante oito horas. Mais tarde reencontramo-nos numa ação de distribuição de mentos, mas nem as caixinhas que sobraram compensaram o preço que recebíamos à hora. Mas já não sei porque raio terá sido, ficamos amigos. O Zé estudou Belas Artes e agora é ilustrador no Público, mas na altura andávamos a fazer estes trabalhinhos de caca. Por vezes montava barracas na Feira da Ladra para exibir os seus trabalhos e cheguei a comprar-lhe um autocolante com uma ovelha que dizia "Life is a - meeeeh – zing", que guardei religiosamente na carteira. Uns meses depois descobrimos que éramos vizinhos. E em alturas em que eu não estava para aturar os 4 marmanjos com quem vivia, íamos à Paiva Couceiro ver os velhotes discutir e os putos ...
O meu irmão trabalha no McDonald’s e com o tempo foi acumulando cupões de refeição. No Natal, para gozar comigo, ofereceu-me 5 vales para gastar até ao final do ano e então fui lá hoje. Não como isto desde 2019, mais por recorde do que por outra coisa, mas estamos a falar de 5 refeições à pala - outro recorde que não me importo de adicionar ao meu arsenal. A minha mãe sugeriu irmos a outra franquia que não a dele para “não envergonhar o miúdo” e eu concordei. Quando venho a casa, uso quase sempre os fatos de treino do meu irmão porque deixo a minha roupa em Lisboa, por isso entrei, que nem um mãos largas, de calças de pijama no restaurante. Atravesso em câmara lenta o amontoado de pessoas que vão reclamando com o touchscreen das máquinas de self-service e vou diretamente à caixa, completamente vazia. Atiro os cinco cupões, que nem um dealer de casino, para o balcão, e o gajo fica a olhar para mim enquanto me esbanjo...
Sinto tudo muito. Demasiado. À beira do colapso e da mente rasgada. Sinto no precipício; em queda livre ou voo em pique. Sinto sempre, quase sempre, mas principalmente quando os dias se tornam mais curtos. Talvez seja a escuridão, mas não lhe é exclusivo. Porque também sinto no calor do verão e na palidez de paredes quentes. Dificilmente sinto em doses mornas. Vem tudo tão intensamente, como que a suplicar uma osmose que dure para sempre. Ainda assim me desprendendo, me tomo, me torno dono de mim. E olho o céu escuro para que me adapte às constelações que sempre ali estiveram, mas deixara de ver. O vento que vem do oeste bate portas e empurra as nuvens pela noite vasta. Afoga-as atrás das estrelas e tenta cobrir o Vénus mais brilhante. Mas Vénus brilha, e vê-me dormir, e lança-me uma brisa forte nos cabelos curtos. E eis que encontro um bilhete, de agosto antigo, que nem sei como tenho ainda, ou porquê. Que me transporta para o exato momento em qu...
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